Jornalistas e convidados reunidos nesta quarta-feira 1, em São Paulo, assistiram as imagens chocantes da invasão a Israel, no dia 7 de outubro
Uma frágil cerca aberta deu vazão ao ódio. A cena mostra comboios de jovens, em automóveis brancos, armados. Eles ultrapassam facilmente a fronteira entre Gaza e Israel com gritos comemorativos. Tudo, naquele momento, se rende ao horror. A tranquila estrada cercada de baixos arbustos. A planície de areia. As nuvens estampando o céu azul de um dia ensolarado. As placas de trânsito. As plácidas lojas à beira da estrada. Naquele momento, o deserto era medo. Um deserto de esperança. O vazio e o mal absolutos. Era o real sentido da palavra terror.
Os jornalistas e convidados reunidos nesta quarta-feira 1, no salão da sinagoga Beth-El, em São Paulo, assistiram as cenas do início da invasão do Hamas a Israel, no dia 7 de outubro, em estado de choque. Todos sabiam que, naquele vídeo, a catástrofe estava por vir na sequência. E respiraram fundo.
A projeção foi para as cenas seguintes, com o adido militar da Embaixada de Israel no Brasil, ao lado da tela, traduzindo algumas falas dos terroristas.
Até ele, em seu traje militar branco, acostumado com notícias de combates, desviava os olhos para não ver.
As primeiras imagens deles já em território israelense vinham da câmera acoplada no uniforme de um terrorista. Um rapaz com uma faixa verde na testa, entre 20 e 25 anos. Que, em estado normal, poderia gostar de música eletrônica ou futebol, como qualquer outro jovem israelense. Mas, naquele momento, o seu único prazer era matar.
Ele e dois companheiros, então, pararam à frente do kibutz Be’eri. Ambos esperam uma brecha, à espreita na guarita. Tentam abrir o portão amarelo, rosnando.
A angústia de quem assiste a essas imagens animalescas vem da empatia em relação aos moradores. Instalados em suas casas lá dentro, nem imaginavam, naquele sábado inocente, que monstros os estavam procurando, sem nem mesmo conhecê-los.
Então um carro, com um morador, para à frente do portão, diante de seu destino. De forma impiedosa, os terroristas atiram e matam o motorista. Entram. O carro permanece em lento movimento, como se os seguisse à procura de alguma resposta.
O road movie atroz prossegue. Começam a ir de casa em casa. Locais tranquilos, nada luxuosos, típicos de uma classe média que luta para sobreviver. Naquele momento, não conseguiu. Eles rastreavam janelas, farejavam terraços compostos por redes, bicicletas e delicados vasos de plantas. Em um momento doloroso, matam a tiros um doce cachorro preto que atravessou a trilha.
Entram de casa em casa, atirando, arrastando, urrando. A dor maior é ver as pessoas morrerem sem saber por quê. Sem ter possibilidade nem de dar um último suspiro. Com planos que nem tiveram tempo de refazer.
Outras imagens vão na sequência. A edição contou com filmagens das câmeras dos terroristas, dos celulares deles, de câmeras de segurança e de celulares das vítimas.
Imagens da festa
Os requintes de crueldade vão aumentando. De vez em quando, eles filmam a si mesmos, mostrando aqueles olhares jovens desperdiçados pelo ódio. E comemoram. Depois sobem no capô dos carros e continuam atirando. As cenas são cortadas para uma multidão de jovens, que estavam em uma festa rave, correndo pela areia. Fogem sem ter para onde ir.
Outras meninas, de cerca de 20 anos, enviam vídeos com imagens delas acuadas em uma tenda, da festa. De repente, depois de explosões, uma daquelas figuras assassinas entra com uma metralhadora. O olhar delas, além do horror, é de curiosidade. Pareciam se perguntar em que planeta estavam. Mas não puderam entender ao certo.
Poucas horas depois, centenas de corpos se amontoavam por tendas como aquela. No total, mais de 1,4 mil pessoas foram mortas. Então, com um fundo escuro, surgem legendas de um dos terroristas falando, repetindo por minutos: “Pai, você não sabe, matei dez, por Alá. Seu filho é um herói!”
Muitas vítimas foram carbonizadas. São mostradas imagens de corpos queimados, inclusive de vários bebês. Eles aparecem em berços cercados de fumaça, no chão, em camas ensanguentadas. Grávidas foram estupradas antes de morrer. Cadáveres foram violados.
Boa parte das pessoas que não morreram foram levadas, feridas e sangrando, naqueles carros mórbidos. Em companhia daqueles seres impiedosos. Uma das sequestradas é mostrada chegando a Gaza. Ela é colocada em outro carro, sob os gritos de outros jovens que se assemelhavam a torcedores de futebol violentos.
Tentavam entrar no veículo para participar do sequestro do Hamas. O motorista acelera rumo a um esconderijo. Tudo isso teve crédito. Teve edição, legenda, áudio. As luzes se acenderam, a tela se apagou como em qualquer sessão de cinema. Mas a amargura estava no rosto de cada um dos que assistiram.
O evento desta quarta-feira foi organizado pela StandWithUs Brasil, Consulado de Israel em São Paulo e Região Sul do Brasil e Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). O objetivo foi mostrar o nível de atrocidade da agressão e evitar que houvesse negacionismo em relação ao ataque. Além de esclarecer que Israel, em sua incursão em Gaza depois da invasão, quer desmantelar o grupo e não atacar os palestinos.
Em Nova York, durante a apresentação dessa sequência, houve pessoas que se traumatizaram no mesmo instante, algumas consternadas, com as mãos na cabeça, em choque. Psicólogos foram chamados para conter o estado de horror de muitos.
No cinema, até nos filmes de terror, prevalecem os sonhos, a imaginação, a ficção. A arte que imita a vida. Este, ao contrário, foi o filme da mais pura realidade talvez já transmitido. Somente na já citada apresentação em Nova York e em Israel, por membros das Forças de Defesa de Israel (FDI), ele havia sido visto.
Por questões de ética, inclusive com os familiares, os presentes não puderam gravar. No judaísmo, não se pode mostrar imagem dos mortos. Não importa. O rosto dos terroristas, suas armas pontudas, a sanha assassina ficarão para sempre gravadas na memória de quem viu. Em um filme sem arte, um filme sem vida. Com o mais triste dos fins.
*Fonte: Revista Oeste