O agricultor Jorginho de Azevedo deve ficar na cadeia por 17 anos, enquanto a assassina do ex-dono da Yoki cumpre em liberdade uma pena de 16 anos e três meses
A condenação imposta pelo ministro Alexandre de Moraes ao agricultor Jorginho Cardoso de Azevedo, preso por participação nos atos do 8 de janeiro de 2023, em Brasília, é mais severa que a de Elize Matsunaga, responsável por esquartejar e assassinar o marido, Marcos Kitano Matsunaga, em 19 de maio de 2012.
Moraes, o relator da ação penal que trata da manifestação na Praça dos Três Poderes, condenou o agricultor à pena de 17 anos. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) enquadrou Jorginho nos seguintes crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado; deterioração do patrimônio tombado; e associação criminosa armada.
O magistrado determinou também o pagamento de uma multa de R$ 30 milhões por danos morais, que pode ser assumida por um ou por todos os condenados no processo, em conjunto.
Já Elize Matsunaga, que cumpre em liberdade o restante da pena imposta em 2012, viu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduzir sua punição de 19 anos e 11 meses para 16 anos e três meses. O prêmio veio por causa da confissão do crime de esquartejamento e assassinato. Desde 2022, quando deixou o Presídio de Tremembé, no interior paulista, a ex-mulher do dono da Yoki trabalhou como motorista da Uber e empreendeu no ramo da costura.
Quem é Jorginho de Azevedo, um dos presos no 8 de janeiro
Natural de São Miguel do Iguaçu, no Paraná, o agricultor de 63 anos trabalhou na roça desde a infância. Antes da manifestação em Brasília, morava com a mulher e cuidava do pai, de 90 anos.
Conforme Moraes, Jorginho é um dos financiadores dos ônibus que levaram manifestantes às sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. O agricultor teria desembolsado R$ 28 mil.
A advogada Shanisys Martins rebateu o argumento de Moraes e afirmou que a localização do celular de Jorginho mostra que o agricultor chegou a Brasília no fim da tarde de 8 de janeiro. Depois, por volta das 19h, seguiu para a Praça dos Três Poderes. Acabou preso.
“Jorginho não esteve no acampamento fixado no Quartel-General de Brasília nem participou dos atos de vandalismo”, disse a advogada.
Shanisys disse também que a acusação do suposto financiamento de ônibus é falsa. “As pessoas dividiram todos os gastos, e Jorginho repassou à empresa de ônibus”, explicou, ao lembrar que o agricultor está preso há um ano.
De lá para cá, Jorginho viu seus problemas crônicos de saúde se agravarem. Os laudos médicos enviados pela defesa ao STF mostram que o agricultor sofre com algumas comorbidades na coluna.
“Seu estado de saúde é crítico, devendo ser submetido a tratamento médico contínuo”, atesta o documento, ao acrescentar que a falta de atendimento adequado pode acarretar paraplegia.
Ao longo do período em que está preso, Jorginho sofreu crises de pânico e desenvolveu grave depressão. A defesa alega que o agricultor tentou tirar a própria vida em diversas ocasiões.
Golpe?
Para a advogada Érica Gorga, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) com ampla carreira como professora no Brasil e nos Estados Unidos, não houve tentativa de golpe no 8 de janeiro. “Havia uma impossibilidade absoluta de se atingir o resultado, o que torna o crime impossível”, disse a especialista, em entrevista.
A advogada, que lecionou na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) por dez anos, explica que a falta de individualização das condutas — pela falta de provas contra os manifestantes — é uma ilegalidade não admitida no Direito Penal do Brasil.
“Não existia uma coordenação, uma liderança unida direcionando os manifestantes para esse propósito”, afirmou Erica. “Os manifestantes estavam em Brasília com os mais variados propósitos. Alguns apenas com o intuito de participar de uma manifestação, como já existiram inúmeras manifestações de cunho político na história do país. Outros estavam ali passando, ou seja, nem estavam com o intuito de participar de uma manifestação, mas resolveram parar para ver o que estava acontecendo e foram pegos de surpresa. E alguns foram presos.”
A advogada disse que nenhum dos manifestantes pode ser qualificado como golpista, visto que não portava metralhadoras, fuzis, canhões, tanques nem veículos aparelhados para empreender uma tentativa de tomada de controle do governo.
“Para conseguir tomar um país, um grupo político obviamente tem de entrar numa guerra para executar o golpe”, argumentou. “E mais: seria necessário haver um grupo político pronto e organizado para tomar o poder. E o que se viu foram pessoas que vieram das mais diversas partes do país e que não tinham sequer uma coordenação entre si. Não tinham nenhum plano de assumir o governo, são sabiam quem seriam os dirigentes. Não foram demonstradas provas de que houvesse um plano arquitetado com essa finalidade. Isso tudo mostra a impossibilidade absoluta de atingir o resultado.”
*Fonte: Revista Oeste