A Binance opera criptomoedas no Brasil e é comandada por Guilherme Haddad Nazar
A maior corretora de criptomoedas do mundo, Binance, não é tributada no Brasil, embora movimente bilhões no país. As operações nacionais da multinacional são chefiadas por Guilherme Haddad Nazar, o sobrinho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O governo federal tem procurado, por meio do ministério de Haddad, formas de aumentar a arrecadação e reduzir o déficit das contas públicas. Entre as medidas estudadas estão o aumento dos impostos e até a tributação de novos setores, como o das apostas on-line.
A empresa tem enfrentado polêmicas no Brasil e em outros países do mundo. No exterior, a Binance é investigada por suspeita de infringir regras de prevenção à lavagem de dinheiro. Além disso, teria descumprido sanções do governo norte-americano. As investigações derrubaram o CEO, Changpeng Zhao, que renunciou ao cargo em novembro. Ele confessou os crimes e aguarda sentença.
A polêmica no Brasil é outra. Aqui, a empresa foi investigada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, na Câmara dos Deputados. A Binance é considerada a plataforma preferida para aplicar golpes no Brasil. A comissão indiciou Nazar e o ex-CEO Zhao.
Concorrência desleal
As concorrentes da empresa que estão estabelecidas no Brasil pagam o Imposto Sobre Serviço (ISS) das taxas de corretagem, valor que a empresa cobra para intermediar negociações. As corretoras também informam para a Receita Federal as transações dos usuários, para que paguem imposto de renda sobre o ganho de capital.
Porém, a Binance não paga ISS por dizer que é uma operadora internacional, e, portanto, não tem sede no país. A empresa esconde a localização da sede. Embora não tenha um local fixo oficial no Brasil, a empresa tem uma grande operação no território nacional.
Além do sobrinho de Haddad, a empresa tem o ex-ministro Henrique Meirelles no conselho consultivo da companhia. No Brasil, a Binance conta com 200 funcionários. Para ter ideia da dimensão da empresa, a Binance patrocina o Campeonato Brasileiro e o Santos Futebol Clube, por exemplo.
A CPI identificou que a companhia atua no Brasil com sete números no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). A Binance informou que os cadastros servem para registrar os funcionários e que paga impostos das empresas. Para justificar o não recolhimento de impostos no Brasil, Nazar disse à CPI que a compra e a venda de criptoativos é realizada por empresas do exterior.
À Folha de S.Paulo, a empresa disse que “atua em total conformidade com o cenário regulatório do Brasil”.
Binance não divulga valor das operações no Brasil
Como não há informações públicas sobre as operações no Brasil, não é possível saber exatamente quanto a Binance pagaria em impostos. A estimativa feita pela CPI chegou ao valor de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões em tributos por ano.
O cálculo foi realizado com base em informações publicadas em 2022, quando o Banco Acesso informou que a empresa movimentou cerca de R$ 40 bilhões em 2021. A instituição financeira processava os valores negociados pela corretora no Brasil.
O valor só foi divulgado depois que o Banco Central notificou o Acesso e solicitou as informações. Na época, a Binance era investigada pelo alto risco de lavagem de dinheiro nas operações. A Binance rompeu a parceria com o banco, depois que a instituição mudou a política interna sobre contas individualizadas.
Sobrinho de Haddad prestou depoimento à CPI
Na CPI, o sobrinho de Haddad disse que orienta os clientes a fornecerem os dados para a Receita Federal, mas que a empresa não fará esse reporte.
“Salientamos a todos os nossos clientes, usuários, em diversas comunicações, que é de responsabilidade deles fazer o devido reporte à autoridade, no caso, a Receita Federal”, disse Guilherme Nazar. “Não damos aconselhamento fiscal, porém, aconselhamos e sugerimos que eles busquem um tributarista competente que os ajudem com essa responsabilidade.”
A Receita Federal informou à Folha que investiga possíveis fraudes de operadoras estrangeiras que atuam no Brasil sob intermédio de terceiras — sem pagar impostos. Porém, não divulgou se a Binance está dentro das investigações.
Empresas que operam com a corretora disseram na CPI que há indícios de lavagem de dinheiro por meio da Binance. Em nota, a corretora informou que foi uma das primeiras corretoras estrangeiras a exigir verificação de identidade dos usuários. A empresa ainda disse que rechaça tentativas de transformá-la em alvo ou de expor seus usuários e funcionários de práticas ilegais.
As corretoras concorrentes acusam a Binance de ter vantagem no mercado nacional por não pagar tributos. Isso reduz o preço das operações e possibilita à empresa cobrar menos ao usuário final que as outras empresas.
O diretor-presidente da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), Bernardo Srur, concorda com as concorrentes da Binance e disse que defende que “as leis sejam aplicáveis a todos da mesma forma”.
Binance é investigada em outros países
Em outros países, a Binance enfrenta acusações parecidas. O procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, disse que a empresa cometeu crimes no país, depois que a corretora pagou US$ 4,3 bilhões em acordo.
“A Binance se tornou a maior corretora de criptomoedas do mundo, em parte por causa dos crimes que cometeu”, afirmou Garland.
A secretária norte-americana do Tesouro, Janet Yellen, acusou a empresa de crimes graves. “A Binance fechou os olhos para suas obrigações legais em busca de lucro”, comentou. “Falhas intencionais permitiram fluxo de dinheiro para terroristas, cibercriminosos e abusadores de crianças por meio da plataforma.”
Sobrinho de Haddad é indiciado
O ex-CEO da empresa Zhao aguarda a sentença nos EUA e pode pegar até 18 meses de prisão. Já no Brasil, o antigo diretor da Binance foi indiciado por violação da lei de crimes contra o sistema financeiro nacional e por operar instituição financeira sem autorização.
O sobrinho de Haddad e diretor da empresa no Brasil, Guilherme Nazar, também está sendo indiciado pelos mesmos crimes que o ex-CEO.
A empresa informou que atua em total conformidade com o cenário regulatório do Brasil e cumpre as regras nacionais. A Binance também disse que aguarda análise do Banco Central para a aquisição da corretora Sim;paul, que é brasileira. A corretora ainda disse ser a favor da regulação, por considerar essencial para conseguir estabelecer confiança no setor.
“A Binance vem atuando de forma contínua para ajudar prontamente autoridades de aplicação da lei ao redor do mundo e no Brasil”, informou, em nota, à Folha. “Para detectar atividades suspeitas e combater crimes e ilícitos financeiros envolvendo o ecossistema de criptomoedas.”
O Ministério da Fazenda informou que a Receita Federal e o Banco Central foram acionados para esclarecer informações relacionadas às ações desenvolvidas pelos órgãos competentes.
Já a Receita afirmou que atua para regular e fiscalizar novos mercados e que o Brasil “é referência na captação de dados de corretoras, de pessoas físicas e jurídicas que operam no exterior”. O órgão também informou que realizou operações de fiscalização de corretoras nacionais e internacionais no segundo semestre de 2023.
O Banco Central afirmou à Folha que é o órgão responsável por regular, autorizar e fiscalizar o mercado de criptoativos e que criou uma consulta pública para analisar uma possível regulamentação no Brasil. O BC também informou que analisa o pedido da Binance na aquisição de uma corretora de valores mobiliários.
*Fonte: Revista Oeste