CNJ autoriza participação de juízes em eventos patrocinados por partes em processo judicial

Conselho desenvolveu conjunto de normas que minimiza risco de magistrados serem declarados suspeitos ou responsabilizados por conflito de interesses

A participação de magistrados em eventos organizados pelo setor privado é comum em todos os níveis do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolveu regras ao longo dos últimos 11 anos para reduzir o risco de esses profissionais serem considerados suspeitos ou responsabilizados por conflitos de interesse com empresários nesses encontros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo,

A primeira norma do CNJ que regulou a presença de magistrados em seminários, conferências e simpósios foi estabelecida em 2013, sob a liderança de Joaquim Barbosa, então presidente do Conselho.

Essa resolução permitia que juízes participassem como “palestrantes, conferencistas, presidentes de mesa, moderadores, debatedores ou membros de comissão organizadora.”

A normativa, ainda em vigor, autoriza que os magistrados tenham “transporte e hospedagem pagos por essas entidades” organizadoras dos eventos.

Não há restrições quanto ao financiamento dessas despesas por empresas que possam estar envolvidas em processos no tribunal do juiz, o que poderia representar um interesse em influenciar a autoridade.

Por outro lado, a mesma resolução proíbe os magistrados de receberem, sob qualquer pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou privadas. A medida é elogiada por especialistas em transparência no setor público, que, no entanto, criticam a falta de mecanismos para monitorar pagamentos não declarados.

Regras da CNJ

Em 2016, sob a gestão de Ricardo Lewandowski, então presidente do STF (e agora ministro da Justiça de Lula), o CNJ passou a classificar a participação de magistrados em conferências como “atividade docente”, mesmo que o evento não tivesse caráter acadêmico.

A resolução também exigia que os magistrados informassem, em até 30 dias, “a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento”.

Além disso, obrigava o CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça a monitorarem e avaliarem periodicamente a participação dos magistrados nessas atividades, e os tribunais a disponibilizarem em seus sites informações sobre os eventos e as viagens, acessíveis a todos os cidadãos, inclusive para verificar situações de impedimento.

A resolução também alertava para o fato de que os juízes e desembargadores deveriam garantir que sua participação não afetasse “a imparcialidade e a independência para o exercício da jurisdição, além da presteza e da eficiência na atividade jurisdicional”.

Resolução de 2021 reduziu transparência

No entanto, uma decisão do CNJ em 2021, durante a gestão de Luiz Fux, revogou todas as obrigações de transparência estabelecidas anteriormente, isentando juízes e desembargadores de informarem sobre sua participação em eventos.

O recuo na política de transparência foi promovido por Fux, que argumentou que a exigência de informações sobre os eventos era “contraproducente e burocratizante” e poderia desestimular a interação acadêmica dos magistrados com outros profissionais do Direito e com a sociedade.

Em março do ano anterior, Fux declarou ao Estadão que a mudança foi feita para que os juízes não precisassem mais informar sobre qualquer palestra ou fala pública às corregedorias.

Em setembro de 2023, durante a gestão da ministra Rosa Weber, o CNJ retomou a discussão sobre o tema. Uma proposta de Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho sugeria a proibição de recebimento de presentes acima de R$ 100, o impedimento de remuneração direta ou indireta para palestras e a obrigatoriedade de informar anualmente variações patrimoniais superiores a 40%, além da publicação das agendas dos juízes e desembargadores. No entanto, a medida foi rejeitada por oito votos a seis.

Maioria dos ministros não divulga agenda

Como o Estadão revelou, a maioria dos ministros do STF não divulga suas agendas de eventos e audiências com políticos e advogados. Embora as regras do CNJ não se apliquem ao Supremo, os ministros poderiam incentivar práticas em outros níveis do Judiciário.

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte publicou um código de ética em novembro do ano anterior para regular a presença de seus juízes em viagens e eventos com empresários.

O movimento foi uma resposta a uma crise desencadeada por revelações da agência de jornalismo investigativo ProPublica sobre presentes e viagens pagas por empresários aos ministros Clarence Thomas e Samuel Alito.

No Brasil, a situação é diferente, pois não há regras que restrinjam a presença de ministros do Supremo em eventos privados.

Além disso, o ministro Dias Toffoli criticou reportagens sobre sua participação em um evento privado em Londres, considerando-as “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

*Fonte: Revista Oeste