Procurador-geral da República mantém reservadas as informações alegando razões de segurança e utilizando a Lei de Acesso à Informação
O procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, impôs sigilo às informações sobre seus gastos com passagens e diárias recebidas para viagens de trabalho, que já somam R$ 75 mil. Desde que assumiu em dezembro de 2023, Gonet evita divulgar os destinos e motivos das viagens. A Procuradoria-Geral da República (PGR) não se manifestou.
Para justificar o sigilo, o PGR utiliza genericamente a Lei de Acesso à Informação (LAI) e uma portaria do antecessor, Augusto Aras. Gonet oculta o itinerário e os objetivos das viagens. No portal da transparência do órgão, só estão disponíveis os valores de cada deslocamento e das diárias usadas. As informações são do jornal Estadão.
Dezenas de subprocuradores e procuradores adotam a mesma prática para esconder informações sobre passagens e diárias. Nos registros do portal da transparência, Gonet ora cita a LAI para argumentar sigilo aos seus gastos, mas sem indicar o parágrafo específico.
Em outro momento, o procurador menciona a portaria de Aras, a qual estabelece, “por razão de segurança, o extrato relativo à emissão das passagens conterá apenas a informação da despesa mensal.”
A portaria de Aras, assinada em 2022, não apresenta justificativas ou estudos técnicos sobre os riscos que os membros do Ministério Público Federal enfrentariam ao divulgar deslocamentos e gastos. O texto também não especifica quais membros e servidores podem usar a medida para ocultar informações.
Gonet se contradiz em informações sobre sigilo de gastos
A justificativa de segurança para não divulgar os dados é questionável, pois as informações são divulgadas após as viagens, quando o risco já não existiria. Quando Gonet usa a LAI como argumento, os gastos com passagens e diárias são classificados como “informação reservada”.
A lei define que informações sensíveis que colocam em risco a segurança da sociedade ou do Estado podem ser ultrassecretas (25 anos de sigilo), secretas (15 anos) ou reservadas (5 anos).
Não há justificativa disponível no portal da transparência sobre os riscos que impuseram a ocultação das informações. “É um mau uso da Lei de Acesso à Informação para ocultar informações que são de claro interesse público”, avaliou Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil.
Destacou que pelo interesse público, as informações “não são, portanto, classificadas como secretas dentro do próprio preceito da lei.” Acrescentou que “não existe comprometimento de segurança do PGR ou de qualquer outro procurador na divulgação posterior à realização da viagem.”
Gastos de Gonet neste ano
Entre janeiro e abril deste ano, Gonet gastou R$ 46 mil com passagens, em três viagens nacionais e uma internacional, e recebeu R$ 29 mil em diárias para dois destinos internacionais e um nacional. A diferença se deve a viagens realizadas cujas passagens não foram pagas pela PGR, podendo ter sido custeadas por outra entidade.
Assim como Gonet, dezenas de membros do MPF usam essas medidas para ocultar os destinos e motivações das viagens. Em abril, pelo menos 115 deslocamentos foram classificados como “informação reservada” com menção à portaria da gestão passada.
Um exemplo é o próprio Aras, atual subprocurador-geral da República, que citou a norma editada durante seu mandato em todas as viagens deste ano, totalizando R$ 14 mil em passagens nacionais.
Para Marina Atoji, trata-se de “um atentado contra a Lei de Acesso à Informação e o princípio da transparência que está na Constituição Federal e que o Ministério Público Federal tem entre as suas competências observar e defender.”
A especialista destacou que a ocultação de informações “por razão de segurança simplesmente não é uma justificativa aceitável para que você imponha a restrição no acesso à informações de interesse público no nível de detalhe. Razões de segurança não podem ser coisas genéricas. É preciso demonstrar o risco concreto.”
Transparência entre os membros
A prática dos membros do MPF é atípica entre autoridades da República. Os gastos de ministros de Estado, por exemplo, são detalhados nos portais da Transparência de cada órgão e no Sistema Integrado Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
Porém, não são todos os membros do MPF que ocultam informações. Diversos procuradores declaram as razões das despesas. O cenário é igual entre colaboradores com cargos comissionados.
O secretário executivo do gabinete do procurador-geral, André Sousa Maia Justiniano Ribeiro, por exemplo, declarou ter utilizado mais de R$ 9 mil em passagens e R$ 13 mil em diárias para acompanhar Gonet em um evento na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em abril.
Somente a partir das informações divulgadas é que foi possível constatar a justificativa de Ribeiro para ter devolvido R$ 1.163,20 em diárias nessa mesma viagem aos Estados Unidos.
O secretário explicou em texto publicado no Portal da Transparência que os recursos foram devolvidos por corresponderem ao valor de “quatro pernoites”, “tendo em vista o fornecimento, diretamente pelos organizadores do evento, da hospedagem, igualmente a concedida ao PGR”.
*Fonte: Revista Oeste