Quadrilhas que adulteram combustível utilizam álcool tóxico e têm elo com PCC

Para driblar fiscalização, grupos diversificam estratégias e utilizam metanol para mudar composição do produto

Em Niterói, no Rio de Janeiro, um posto de combustível foi flagrado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ao vender etanol com 92,1% de metanol, substância tóxica cujo limite permitido por lei é 0,5%.

Segundo uma reportagem especial do jornal O Estado de S. Paulo, flagrantes de uso irregular e adulteração com o produto ficaram mais comuns no último ano.

“Era tão alta a porcentagem que o metanol era praticamente o combustível vendido”, diz o promotor Pedro Simão ao jornal, responsável por oferecer a denúncia pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ). As investigações revelaram que o esquema se estendeu pelo menos de março até o fim do ano passado.

De acordo com o levantamento do Estadão, os autos de infração relacionados a metanol emitidos pela ANP atingiram recorde no ano passado desde que começaram a ser contabilizados, em 2017. Foram 187 registros, alta de 73,5% ante os números de um ano antes (108).

Quando se compara com períodos anteriores, a diferença é ainda maior: em 2020, por exemplo, foram somente 37 casos desse tipo contabilizados pela agência.

O metanol é tóxico e pode causar explosões e danos a veículos, especialmente em grandes quantidades.

Para evitar a detecção, quadrilhas têm diversificado suas táticas, envolvendo até facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC).

De um ano para cá, houve operações que miram adulterações em combustíveis em vários Estados, entre eles Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Maranhão e Paraná.

Conforme a ANP, diante da “incidência incomum de contaminação por metanol” entre abril e setembro do ano passado, foram adotadas medidas.

Entre elas, a agência indeferiu 67 pedidos de importação de metanol em 2023, o que evitou a entrada de cerca de 63 mil m³ do produto para possível uso irregular no país — muitas vezes, o esquema só se revela fraudulento na distribuição.

A Operação Fake Fuel, realizada pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ, da Polícia Civil e da ANP, interditou três postos, incluindo o de Niterói. A quadrilha vendia combustível adulterado também em São Gonçalo.

Cinco suspeitos foram denunciados ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio, incluindo o empresário Carlos Eduardo Fagundes Cordeiro. Ele está foragido desde então.

Segundo a denúncia, a qual o Estadão teve acesso, ele é descrito como “mentor intelectual e responsável por todas as fases da empreitada delituosa”.

A defesa de Cordeiro afirma ao jornal que ele provará sua inocência. “Ele segue ausente da prisão, mas, desde o primeiro momento, se fez presente por advogado nos autos e terá o seu direito de exercer sua autodefesa”, disse o advogado Jairo Magalhães.

Mais casos de adulteração de combustível

Além do etanol, a gasolina dos postos investigados também estava adulterada. Uma amostra do posto de Niterói revelou 66% de etanol anidro, bem acima do limite legal de 27%.

No Paraná, o Ministério Público ajuizou uma ação civil pública contra dois postos de Cornélio Procópio, depois de um consumidor relatar problemas mecânicos em sua roçadeira causados por combustível adulterado.

O Instituto Combustível Legal (ICL) estima que o setor perde cerca de R$ 30 bilhões por ano, metade em sonegação fiscal e a outra metade em fraudes operacionais, como adulteração de etanol e chips nas bombas, que enganam os consumidores quanto ao valor pago.

*Fonte: Revista Oeste