TV Brasil faz especial sobre Lava Jato e minimiza corrupção

Em programa sobre ’10 anos da Operação’, estatal opta por acusações a Moro, Dallagnol e MP

A TV Brasil, emissora estatal vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), fez um especial sobre os dez anos da deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato, em que minimiza a corrupção confessa na Petrobras. O programa optou por enfatizar acusações contra o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) e a força-tarefa do Ministério Público Federal (MP).

Conforme editorial do Estadão, a TV Brasil gastou 88 minutos e oito segundos para tratar das mensagens trocadas entre Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato.

Outros pontos abordados foram a cobertura da imprensa sobre a Lava Jato, as prisões preventivas feitas pela operação e os prejuízos das empreiteiras investigadas.

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Por 8 votos a 3, Supremo Tribunal Federal (STF) livrou Lula da Lava Jato em 2021 | Foto: DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA BRASIL

O roteiro seguido pelo apresentador e os cinco convidados estiveram alinhados ao discurso do presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Convidados alinhados com Lula

Para comentar as imagens que permearam o programa, estiveram presentes no estúdio, além do apresentador Leandro Demori, que é ex-diretor do The Intercept Brasil, portal que deu início à cobertura da Lava Jato, o desembargador Marcelo Semer e a advogada criminalista Dora Cavalcanti.

Dora, fundadora do Inocence Project Brasil e conselheira do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, também foi advogada de executivos da Odebrecht na Lava Jato.

Os jornalistas Luis Nassif, fundador do jornal GGN, Carla Jimenez, do UOL, e Florestan Fernandes Jr., do Brasil 247, portais alinhados ao governo Lula, completaram o grupo.  

O cenário

O cenário do estúdio contava com painéis que exibiam imagens da ex-presidente Dilma Rousseff, da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e de apoiadores de Lula com cartazes com a frase “Lula Livre”, além de fotografias dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Fotos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) abraçado ao seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro também foram apresentadas.

“Autópsia” da Lava Jato

Demori abriu a rodada de análises do Especial 10 Anos ao informar ao telespectador de que seria feita uma “autópsia” da operação com base na “República de Curitiba” – alcunha dada por Lula em 2016.

Programa desconsidera fatos

A corrupção confessa na Petrobras ficou restrita a comentários dos convidados sobre a entrevista do ex-coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Zé Maria Rangel, que se candidatou a deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro em 2022.

Ao programa da TV Brasil, o petista afirmou que, “se tem desvio [na Petrobras], é pontual, não é algo sistemático, algo sistêmico”.

Rangel argumentou que a perda de R$ 6 bilhões em corrupção entre 2004 e 2012 na Petrobras, reconhecida no balanço da companhia de 2014, foi inexpressiva diante dos ganhos da petrolífera.

“Quanto que a empresa arrecadou neste período de dez anos?”, indagou o petroleiro petista. “R$ 3 trilhões, ou seja, 0,05% não quebra nenhuma empresa, e nenhum sistema de auditoria consegue captar. R$ 6 bilhões é muito dinheiro, mas para uma petroleira que arrecada R$ 3 trilhões…”

O raciocínio foi legitimado pelo apresentador, “nenhuma auditoria pegaria”, afirmou Demori, complementando que “se fala pouco do que [a operação] destruiu a economia brasileira”.

Para o jornalista Luís Nassif havia um “departamento dentro da Petrobras que não era corrupção”, a área que definia os preços das obras.

“A empreiteira não podia ir acima do preço-base”, disse o diretor de redação do Brasil 247. “Essas propinas saíam da margem das empreiteiras.”

Sem mencionar Youssef e Odebrecht

A então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht, durante lançamento das vendas do condomínio na capital cearense, Fortaleza (16/10/2009) | Foto: Jarbas Oliveira/Agência Estado de S. Paulo

O apresentador e os convidados não abordaram a avaliação de Alberto Youssef, doleiro e delator, que afirmou em depoimento em 2015 que havia uma corrupção sistêmica na Petrobras. Da mesma forma, não consideraram a declaração do empresário Emílio Odebrecht, que descreveu a corrupção no Brasil como institucionalizada.

A empreiteira Odebrecht mantinha um departamento interno dedicado ao pagamento de propinas a agentes públicos.

A teoria de Lula e aliados

A teoria compartilhada por Lula e aliados é que a Operação Lava Jato prejudicou a economia brasileira, especialmente a indústria da construção civil e o setor de óleo e gás, resultando na perda de milhões de empregos.

No entanto, essa visão não considera o impacto da corrupção revelada na Petrobras, que comprometeu o desempenho da empresa com provas de pagamento de propina em diversas diretorias.

Outra teoria

Em um dos momentos do programa, Nassif trouxe à tona uma teoria também mencionada por Lula, ao sugerir uma possível conexão entre os Estados Unidos e a Operação Lava Jato.

O jornalista argumentou que a metodologia utilizada pela Lava Jato, com “operações espetaculosas” e prisões, teve início nos anos 2000, com o Departamento de Justiça norte-americano.

Lula, em uma entrevista de março de 2022, afirmou que a Lava Jato não tinha outra função “senão a de prestar contas ao Departamento de Justiça dos EUA”.

Acordos de leniência

Os acordos de leniência firmados pelas empreitas com a Lava Jato também foram abordados pelos debatedores.

TCU Toffoli
Dias Toffoli, ministro do STF, anulou todas as provas do acordo de leniência com a Odebrecht | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Em fevereiro deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, ao atender ao pedido da empresa sob justificativa de garantir sua sobrevivência financeira e institucional, suspendeu o pagamento das parcelas do acordo da Odebrecht.

 “A pessoa física era estrangulada na sua liberdade para confessar”, afirmou a ex-advogada da Odebrecht durante o programa da TV Brasil.

“Mas também as empresas brasileiras, construtoras, foram forçadas a assumir programas de leniência pesadíssimos, se responsabilizando com pagamentos de valores absolutamente incompatíveis com a realidade, num cenário em que não havia outra opção”, concluiu Dora.

A Odebrecht fechou um acordo de leniência, homologado em 2016, e assumiu o compromisso de pagar R$ 3,8 bilhões. O valor corrigido chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final da quitação. A Andrade Gutierrez se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão.

*Fonte: Revista Oeste