Organização parece ter fechado os olhos para os transtornos que sua pauta ‘verde’ causaria aos esportistas
Ao promover “as Olimpíadas mais sustentáveis de todos os tempos”, Paris parece ter fechado os olhos para os transtornos que suas medidas causariam aos atletas. A organização do evento quer deixar como marco a realização dos jogos olímpicos mais “verdes” da história, o que significa limitar a emissão de CO2 a cerca de 1,75 milhão de toneladas — pelo menos metade das edições anteriores.
No entanto, o desafio de administrar 800 eventos desportivos, 11 mil atletas, 45 mil voluntários e 13 milhões de refeições e, ainda assim, cumprir a cartilha da agenda sustentável, transformou a Vila Olímpica numa experiência desconfortável para os atletas.
Enquanto o “Dream Team”, equipe de basquete dos Estados Unidos, está bem-acomodado em um hotel cinco estrelas no centro de Paris, onde irá pagar em torno de US$ 15 milhões de dólares (ou R$ 84 milhões), segundo a Forbes, outros têm de se adaptar ao que chamam de “cama de papelão”, disponível nos alojamentos da vila.
É o caso da jogadora Matilda Emily Kearns, da seleção australiana de polo aquático. Ela usou as redes sociais para mostrar a fina espessura e o material usado na composição dos colchões onde dormem as equipes.
Em vídeo, Matilda ironiza: “Primeira noite na cama olímpica de papelão”. Ela então mostra o colchonete e brinca: “Já fiz uma massagem para reparar os danos”. Uma outra integrante do seu time reclama que suas costas estão “a ponto de cair”.
Veja o vídeo:
Os colchões são feitos de molduras de papelão para garantir a sustentabilidade da vila. E foi, possivelmente, um dos pontos de maior discussão. A maioria se queixa do desconforto e fragilidade do utensílio.
“A cama é uma merd*”, escreveu no TikTok a estrela da ginástica norte-americana Simone Biles. “Mas estamos comprando protetores de colchão, então, esperamos que melhore.”
Companheiro de Biles na equipe de ginástica, Frederick Richard pensou em outra solução: ele levou o seu próprio colchão para a Vila Olímpica, segundo o New York Times.
“As camas são muito duras, terríveis, mas chegamos tão cansados, que no final você simplesmente deita e adormece imediatamente”, disse a ginasta espanhola Ana Perez. Ela também mencionou o receio de que a cama se desintegrasse depois de acidentalmente derramar café sobre ela.
A tenista norte-americana Coco Gauff pegou emprestado um protetor de colchão da equipe de tiro com arco. Nas redes sociais, ela mostrou que dividia o banheiro com outras dez meninas, até que cinco delas decidiram deixar a vila para se hospedarem em um hotel.
Problemas de privacidade, segurança e transporte para a Vila Olímpica
Representante do atletismo dos EUA, Chari Hawkins mencionou a ausência de cortinas em seu quarto, o que tirou sua privacidade ao trocar de roupa. Ela precisou pendurar uma toalha na janela. Veja:
Além disso, desde a chegada das delegações, foram registradas pelo menos cinco denúncias de furto, incluindo o roubo de uma aliança de casamento, um colar e 3 mil euros (R$ 18,5) de um jogador de rugby japonês, segundo informações do site Newsweek.
Os atletas não têm tratamento VIP para se deslocar aos eventos. Eles utilizam ônibus ou o metrô de Paris. Algumas delegações transfiram seus competidores para hotéis mais próximos das instalações.
Seis nadadores sul-coreanos já deixaram a Vila e se mudaram para um hotel próximo à arena de natação para evitar o longo trajeto em ônibus lotados, conforme informou o presidente da Federação Coreana de Natação.
Atletas da Vila Olímpica reclamam do excesso de calor
Se os organizadores dos Jogos de Paris pretendiam entrar para a história por priorizar a pauta verde, certamente entrarão pelo desconforto que suas manobras ecológicas causaram aos atletas. Competidores de diversos países e modalidades criticaram a infraestrutura do espaço, mas especialmente o calor.
Isso porque o complexo da Vila não possui ar-condicionado. Para substituir o aparelho, um sistema de refrigeração líquida semelhante ao utilizado no Museu do Louvre foi implementado.
Contudo, o “improviso” não deu conta da alta temperatura nos quartos durante o verão parisiense. De acordo com as previsões meteorológicas, os termômetros na capital francesa durante esta semana chegaram à sensação térmica de 40º.
“Há água nas paredes que deveria ser um sistema de refrigeração, mas estava realmente quente e estávamos no segundo ou terceiro andar”, disse a remadora da Suíça Cece Dupre. “Com o maior grupo de melhores atletas do mundo num só lugar, eles deveriam ter algum dinheiro ou pelo menos priorizar recuperação e desempenho”, completou.
Atletas de vários países, como Canadá, Grã-Bretanha, Itália, Alemanha, Grécia, Dinamarca e Austrália, têm usado unidades de ar-condicionado portáteis em seus quartos.
A Solideo, empresa responsável pela construção, afirmou à imprensa que os materiais utilizados mantêm temperaturas agradáveis e que a ausência do ar-condicionado contribui para a economia de energia.
Comida com vermes na capital gastronômica da Europa
A alimentação na vila também tem sido alvo de queixas. O nadador britânico Adam Peaty revelou ao jornal The I que os atletas encontraram vermes nos peixes servidos no refeitório. Além disso, o cardápio 60% vegano dificulta a vida do atleta de alta performance, que depende de dietas à base de proteína.
“O serviço não é bom o suficiente para o nível no qual os atletas devem performar, pois precisamos dar o nosso melhor”, declarou Peaty. “Não há opções de proteínas suficientes, há longas filas, temos que esperar 30 minutos por comida”, criticou.
O jornal francês L’Equipe publicou que itens ricos em proteínas, como ovos e carnes, foram racionados no café da manhã, o que gerou insatisfação dos esportistas.
A nadadora australiana Ariarne Titmus, que já ganhou duas medalhas nos jogos, afirmou que o cardápio “ridículo” afetou sua tentativa de quebrar o recorde mundial nos 400 metros livres no sábado.
“Provavelmente, não atingi o tempo que pensei ser capaz, mas estar na Vila Olímpica torna difícil o meu desempenho”, disse Ariarne. “Definitivamente, o menu não foi feito para alto desempenho”.
Adam Peaty lembrou que, em Tóquio, “a comida era incrível”. “No Rio, era incrível, mas desta vez?”.
Detalhes sobre a construção da Vila Olímpica
A Vila Olímpica tem capacidade para acomodar mais de 14 mil atletas durante as Olimpíadas e 8 mil esportistas nas Paralimpíadas, que vão ocorrer entre julho e setembro. A construção das instalações começou em 2021 e inclui 82 prédios, 3 mil apartamentos e 7,2 mil quartos.
A estrutura fica às margens do rio Sena, no subúrbio de Paris, e custou cerca de €2 bilhões (mais de R$ 12,2 bilhões). O Time Brasil tem uma base de apoio em Saint Ouen. Depois dos Jogos, a Vila Olímpica vai se transformar em um bairro com hotel, moradias, escritórios, lojas e jardins.
Veja um pouco do quarto dos atletas na Vila Olímpica dos Jogos de Paris:
*Fonte: Revista Oeste