Talibã proíbe exibição de seres vivos em jornais e TV no Afeganistão

A partir de agora, é ilegal mostrar desenhos de pássaros, por exemplo, e até fotografias de integrantes da família

O governo do Talibã anunciou a implantação de uma lei que proíbe os veículos de comunicação no Afeganistão de exibir imagens de seres vivos. A medida, divulgada nesta segunda-feira, 14, pelo Ministério para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, será aplicada de forma gradual em todo o país.

De acordo com o porta-voz do ministério, Saiful Islam Khyber, o objetivo é convencer a população de que a exibição de imagens de seres vivos contraria a lei islâmica. “Vamos orientar e convencer as pessoas de que estas práticas estão em desacordo com a sharia“, explicou Khyber. A proibição compreende desde desenhar um pássaro até fotografar um integrante da família.

A nova legislação também impõe outras restrições à mídia, como a proibição de qualquer conteúdo que ridicularize o Islã ou que contradiga os princípios islâmicos. Até o momento, a regra não é aplicada rigorosamente, mas o governo já começou o processo em algumas regiões do país, como Kandahar, Helmand e Takhar.

Empresários locais têm sido obrigados a seguir regras de censura, o que inclui cobrir ou desfocar os olhos de peixes em cardápios de restaurantes. No entanto, jornalistas afegãos relataram que, apesar da nova legislação, o governo garantiu que poderão continuar a trabalhar normalmente. A lei, que inicialmente não afetava a mídia, agora será aplicada a todos.

Além disso, o uso de gravadores e rádios para tocar música é considerado haram (proibido) pela sharia. No entanto, essa proibição contrasta com o fato de que quase todos os integrantes do governo talibã já apareceram em frente às câmeras, como o próprio Mohammad Khaled Hanafi, ministro para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício.

Antes do retorno do Talibã ao poder em 2021, o Afeganistão contava com cerca de 8,4 mil profissionais de imprensa. Este número caiu para 5,1 mil, e as restrições aumentaram, especialmente para mulheres. Hoje, cerca de 560 mulheres ainda atuam no setor de mídia, obrigadas a usar máscaras quando aparecem na televisão.

Em algumas Províncias, como Helmand, as vozes femininas já foram banidas da rádio e da televisão, o que reforça o impacto das novas regras sobre as mulheres. Organizações internacionais, como as Nações Unidas, têm descrito estas medidas como um “apartheid de gênero”.

O país caiu significativamente no ranking mundial de liberdade de imprensa, da 122ª para a 178ª posição entre 180 países, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras.

Lei restringe a liberdade no Afeganistão

O governo talibã afirma que as leis têm como objetivo “promover a virtude e eliminar o vício”. As normas já foram oficialmente ratificadas pelo líder supremo do país, Haibatullah Akhundzada.

O Ministério da Moralidade, formalmente chamado de Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, esclareceu que ninguém no Afeganistão está isento de cumprir estas novas leis. As novas regras dão poder à polícia moral, chamada mohtasabeen, para interferir na vida pública dos cidadãos e regular a forma como se vestem e o que comem e bebem.

De acordo com a nova legislação, as vozes das mulheres são consideradas “awrah” quando ouvidas em público. O termo árabe refere-se a partes do corpo que, de acordo com a sharia, devem ser cobertas e não devem ser expostas em público, tanto em homens quanto em mulheres.

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Talibã permitiu a operação dos salões de beleza do Afeganistão por apenas dois anos | Foto: Wallpaper Flare

As restrições estabelecem que, sempre que uma mulher adulta sair de casa por necessidade, ela deve esconder a voz, o rosto e o corpo. As mulheres não podem cantar ou ler em voz alta, nem mesmo dentro de suas casas, segundo a lei.

As roupas femininas também não podem ser finas, curtas ou justas. Assim, os homens também são proibidos de olhar para o corpo ou o rosto de uma mulher, e a mesma restrição aplica-se às mulheres adultas em relação aos homens.

Desta forma, as novas leis de moralidade também impõem restrições aos homens. Agora, eles são obrigados a cobrir o corpo do umbigo aos joelhos quando estiverem em público, já que essas partes do corpo são consideradas awrah. Além disso, os homens não podem pentear o cabelo de uma forma que contrarie a sharia.

Os talibãs também proibiram os barbeiros de várias Províncias de raspar ou aparar barbas de maneiras que violem as novas regras. De acordo com a sharia, a barba deve ter o comprimento de um punho, e o uso de gravatas foi igualmente proibido.

Fiscais de moralidade

Os responsáveis pela aplicação destas leis são os mohtasabeen, vigias presentes em todas as Províncias do Afeganistão. Com a promulgação da nova legislação, o poder dos mohtasabeen foi ampliado, já que contam com o apoio total do líder talibã.

Eles têm autoridade para silenciar vozes de mulheres, interromper música que venha das casas e exigir que homens apararem ou cortarem o cabelo de acordo com as novas normas.

Além disso, a lei confere à polícia da moralidade o poder de impedir que taxistas transportem mulheres desacompanhadas de parentes do sexo masculino, como um pai ou irmão adulto. Mulheres sem o hijab, conforme orientado na sharia, também não podem ser transportadas, e homens e mulheres não podem se sentar lado a lado em veículos.

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Ebrahim Raisi e Xi Jinping pedem ao Talibã que extingua as sanções impostas contra as mulheres desde 2021 | Foto: Reprodução/wikimedia

Enquanto isso, a maior parte das implicações da nova legislação já está em vigor no restante do país. O Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício é um dos órgãos governamentais mais ativos no Afeganistão. Relatórios mostram que, no ano passado, a polícia moral deteve temporariamente mais de 13 mil pessoas por não cumprirem a sharia.

Se uma pessoa cometer publicamente um “ato repreensível”, ela estará sujeita a uma série de punições. Estas sanções variam desde advertências e ameaças com retribuição divina até multas e prisão de até três dias.

A implantação da lei tem gerado inúmeras críticas. “Depois de décadas de guerra e em meio a uma crise humanitária devastadora, o povo afegão merece muito mais do que ser ameaçado ou preso por se atrasar para orações, olhar para alguém do sexo oposto que não seja integrante da sua família ou possuir a fotografia de um ente querido”, disse Roza Otunbayeva, chefe da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão.

*Fonte: Revista Oeste