Brasileira que mora em Tel-Aviv conta a experiência de ter seus filhos na frente de combate contra os terroristas do Hamas
Tel-Aviv está em silêncio. A brisa marítima passeia solitária por entre os prédios residenciais. Percorre as esquinas, se movimenta pela orla sem que pessoas sintam o seu perfume. Em um dos bairros, a brasileira Camila Esther, 46 anos, olha pela janela e, em vez da paisagem, vê um imenso vazio.
Três dos seus quatro filhos estão na guerra contra os terroristas do Hamas, desde que o grupo atacou Israel, a partir do Sul, no dia 7 de outubro. Uma filha está na logística. Os outros dois têm a responsabilidade de lutar no campo de batalha.
Ao telefone, com as palavras interrompidas por soluços, Camila narrou essa mistura de orgulho e dor. Mas, mais do que a ferrenha defensora de Israel, ela não esconde seu desespero maior pela segurança dos filhos.
Camila, neste momento, só consegue falar como mãe. Se no dia a dia a razão da vida de uma mãe são seus filhos, em situações assim, essa razão atinge o infinito. “Não, não estou bem”, afirmou. “Há dias não como, não durmo, me reviro à noite querendo saber como eles estão. Sei que é a missão deles, como de todos os jovens de Israel, de defender o país. Não há outro caminho, mas a angústia é imensa, não sei.”
Por razões de segurança, Camila não pode falar o nome dos filhos. Eles já estavam servindo nas Forças Armadas. Em Israel, os homens servem por três anos, dos 18 aos 21. E as mulheres, por dois, também a partir dos 18.
A ordem das autoridades é para que as pessoas evitem sair de casa. A cidade está tão vazia como o Deserto de Neguev. Do apartamento de Camila, ouve-se vozes baixas de pessoas assustadas, comentando as notícias, atentas a qualquer situação estranha.
A plena atenção — e tensão — talvez seja uma maneira de compensar a forma surpreendente com que o Exército foi pego com o ataque dos terroristas. A ação traumatizou o país. O pensamento geral é de que o inimigo pode estar à espreita. Até no apartamento vizinho, sem que se perceba.
Em busca de boas notícias
É isso que a população está sentindo, de manhã até a noite. O país está apreensivo em tempos de más notícias. A vida das mães, assim, nesses dias, tem sido acordar com o coração palpitante para não ouvir más notícias. Muitas delas, no entanto, estão ouvindo.
“Não quero me vitimizar, ninguém que não seja mãe sabe o que estou passando”, disse Camila. “Mas sei que há pessoas sofrendo mais do que eu. Sei de mães que ficaram sabendo da morte dos filhos. O Exército não está dando conta para listar os nomes. Muitas não sabem onde eles estão. Os meus estão vivos, lutando, o que mais quero na vida é que eles voltem bem.”
Camila atua na área de logística e mora em Israel desde 1999. Casou-se com um brasileiro, que conheceu no Brasil, e, em Israel, teve seus quatro filhos. Dos tempos de menina no Colégio Bialik, em Pinheiros, capital paulista, conheceu o afeto entre as pessoas.
Ela conta que a escola era muito familiar, já havia aquele apego a Israel, nas festas judaicas, nas músicas folclóricas, na postura maternal de algumas professoras, como a Rinah, citada por ela. Mas, lá em Israel, Camila conheceu um outro lado. Viu na prática a importância de um cidadão para o país. Na luta pela sobrevivência e identidade de um povo. Em como cada habitante é de certa forma um soldado.
“Nada é maior do que a dor de uma mãe”, constatou Camila. “Mas para uma mãe israelense o mais difícil é que sei que eles precisam estar lá. É a nossa identidade que eles defendem. E a preocupação com eles se junta à preocupação com o país que amamos. Quero Israel bem, forte e em paz.”
Números de impacto
Dos que morreram no conflito, do lado israelense, pelo menos 300 são soldados. O total, incluindo civis, já passa de 1.400. Um dos locais com mais perdas foi a rave realizada por jovens, a menos de 20 quilômetros da Faixa de Gaza, na qual os terroristas que entraram por terra chegaram atirando. Entre os mortos estão três brasileiros.
A resposta de Israel foi dura, com bombardeios a mais de 200 locais ligados ao grupo terrorista. Foram alvejadas as infraestruturas usadas pelo grupo para funções operacionais e armazenamento de armas. Túneis foram atacados.
Na frente de combate, estão os filhos de Camila. Carregam o dever de soldado, nas mãos de homens. E armas, nas mãos de meninos.
“Três dos meus filhos moram conosco, não saíram de casa”, disse Camila. “Outro mora no Sul, com a namorada. Ela está aqui conosco, não consegue ficar lá. A apreensão é muito grande, é um pesadelo.”
Relatos de moradores descrevem cenas de horror jamais vistas antes no país. Nas guerras, em geral, o inimigo era um exército regular, de um país, e os combates se concentravam mais nas fronteiras. O Hamas é um grupo de terroristas que desprezam a Convenção de Genebra.
Ataques à população civil eram esporádicos em conflitos anteriores, apesar de ocorrerem e também causarem terror. Envolviam, porém, um número menor de pessoas.
Em um áudio, um brasileiro, morador da cidade de Hadera contou o seguinte: “O filho de uma amiga nossa morreu no sábado. Ela só quer o corpo para poder enterrá-lo e não consegue. O Exército não tem como liberar porque centenas de pessoas morreram. O Exército não tem como liberar para os enterros porque está contabilizando as perdas de vidas”.
Pela esperança
É este tipo de notícia que tem chegado aos ouvidos de Camila. É como se, do deserto, emanasse uma nuvem mortífera sobre o país. Enquanto ela fala, tenta encontrar uma luz de esperança no meio do pranto. Ela quer respirar. Tenta, da paisagem, ver alguma beleza na sempre alegre Tel-Aviv. Mas só consegue fazer um pedido.
“Por favor, reze por eles, peça para que eles voltem, faça isso, por favor”, diz, em sua fragilidade que busca qualquer palavra de apoio, como se procurasse uma mão que a retirasse dos escombros. “Fale com o rabino e peça que ele faça uma prece, sei que vai ajudar.”
A fala, porém, é interrompida pelas notícias que vêm de fora. E aquelas vozes baixas ganham um entonação de susto. Comentam, repetem o que ouvem, trazem apreensão. Vem a pergunta: o que eles estão falando?
“Eles ouviram que o Hamas mandou que todos os moradores saíssem de Ashkelon, como os moradores de Gaza tiveram que sair”, disse Camila. “Prometem que vão atacar a cidade.” São notícias locais, pouco ouvidas no resto do mundo.
Camila volta ao telefone, quer continuar a falar. Ela sente a voz que vem do outro lado, do Brasil de sua infância, como uma força. Uma voz da esperança, nome do hino de Israel, Hatikva. A letra conforta as mães: “Nossa esperança ainda não está perdida, esperança de dois mil anos”.
“Então, reze por eles…Uau, uau, o que é isso?”, perguntou Camila. “São sirenes. Vou ter de desligar, não dá mais para falar. Ouço alguns bombardeios, um foi mais perto. Não dá para falar…”
Ela desliga. Tel-Aviv não está mais em silêncio.
*Fonte: Revista Oeste