Oeste teve acesso ao documento; advogada afirma que o ministro do STF deveria se declarar impedido de decidir pelo retorno do presidente da entidade
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, em decisão monocrática, reconduziu Ednaldo Rodrigues ao cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no último dia 4 de janeiro.
A decisão, no entanto, foi contestada por especialistas em Direito e jornalistas, como Paulo Vinícius Coelho, pelo fato de Mendes ser sócio e docente do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), parceiro da CBF em contrato de dez anos assinado com a CBF Academy, em 16 de agosto de 2023.
Oeste obteve o contrato que comprova a parceria entre o IDP e a CBF, assinado, entre outros, pelo filho de Mendes, Francisco Schertel Mendes, sócio e diretor-geral do IDP, e por Ednaldo Rodrigues. O documento foi divulgado inicialmente no blog do Paulinho.
Na claúsula primeira, do objeto do contrato, já fica definida a parceria.
“O presente contrato tem por objeto a celebração de parceria entre a CBF e o IDP para o planejamento, desenvolvimento, divulgação, comercialização, curadoria, produção de conteúdo e todas as atividades relacionadas à oferta e entrega dos serviços educacionais ofertados pela CBF, no âmbito da CBF Academy, nos termos delineados neste contrato.”
Para a advogada Tamara Segal, especialista em Direito Civil e Penal, o ministro deveria se declarar impedido de atuar no caso, por existir relacionamento comercial com uma das partes. Ela toma por base o conceito do consagrado jurista uruguaio Eduardo Juan Couture (1904-1956), que afirma que, para situações como esta, foram criados os institutos da suspeição e do impedimento presentes tanto na lei processual cível quanto na criminal.
“Ao decidir sobre uma liminar cuja parte tem acordo comercial com o ministro entendo ter havido a extrapolação do conceito de Couture, pois existe relacionamento comercial entre o IDP, leia-se Mendes e a CBF”, afirma a jurista. “Este acordo [entre IDP e CBF] foi firmado pela pessoa que o ministro reconduziu ao cargo. Este ato pode ser enquadrado no Artigo 144 [inciso V] do Código de Processo Civil [CPC] como caso de impedimento podendo ser arguido a qualquer tempo.”
Tal artigo citado por Segal elenca as hipóteses nas quais o juiz deve se pronunciar impedido de atuar naquela causa. O ato, segundo ela, tem caráter objetivo e constitui impedimento no que tange à lisura do julgamento.
“Entre as causas para impedimento está a já citada relação comercial, quando o julgador for parte, quando já tiver atuado nos autos em outro grau de jurisdição, entre outras.”
Saída e retorno do presidente da CBF ao cargo
No dia 7 de dezembro de 2023, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), acionado por ex-vice-presidentes da entidade, contestou a eleição de Ednaldo em 2022 e ele teve de deixar o cargo.
Retornou à presidência da CBF quase um mês depois, por liminar concedida, em caráter monocrático, pelo ministro Gilmar Mendes. O caso, depois da concessão da liminar, será analisado no plenário do STF, ainda sem data prevista para o julgamento.
Mendes concordou com a tese de ação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), para o qual o conflito na entidade afeta o interesse público. Pela legislação da Fifa, que proíbe decisões de seus entes, em casos desportivos, na Justiça Comum, a CBF poderia ser suspensa . Isso faria as seleções brasileiras serem excluídas de importantes competições.
Gilmar Mendes, antes da concessão da liminar, também considerou o posicionamento do procurador-Geral da República, Paulo Gonet, e da Advocacia-Geral da União (AGU), que defenderam a suspensão da decisão do TJRJ que retirou Rodrigues do cargo.
O caso havia sido analisado antes, por outro ministro do STF, André Mendonça. No final de dezembro, ele negou pedido de liminar para suspender a destituição de Rodrigues da presidência.
Contatados, o ministro Gilmar Mendes e o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, não deram respostas aos questionamentos.
*Fonte: Revista Oeste