Até a publicação desta reportagem, o requerimento contava com 38 assinaturas
Os deputados federais Paulo Bilynskyj (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) coletam assinaturas para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, localizada no Estado do Pará. Até a publicação desta reportagem, o requerimento contava com 38 assinaturas, mas precisa de 171 para ser protocolado na Câmara.
“Diante de tantas incertezas, a recorrência de denúncias e relatos abomináveis de exploração sexual infantil, fica instada a urgência de averiguação profunda e detalhada do caso em questão, uma vez que os direitos e a proteção das crianças e dos adolescentes brasileiros precisam ser salvaguardados”, argumentam os parlamentares no requerimento.
As denúncias sobre a exploração sexual infantil no Marajó repercutiram nas redes sociais nesta semana, depois que a cantora gospel paraense Aymeê citou a situação na letra de uma música.
Na ocasião, em 16 de fevereiro, ela se apresentava no reality show gospel “Dom Reality”. A letra da música diz: “Enquanto isso no Marajó, o João desapareceu esperando os ceifeiros da grande seara”.
Ao final da apresentação, Aymeê explicou sobre o que cantou: “Marajó é uma ilha há alguns minutos de Belém, minha terra”, disse. “E lá, as crianças, lá tem muito tráfico de órgãos, lá é normal. Lá tem pedofilia em nível ‘hard’ e as crianças com 5 anos, quando elas veem um barco vindo de fora com turistas, Marajó é muito turística e as famílias lá são muito carentes, as criancinhas saem em uma canoa, 6,7 anos, e elas se prostituem dentro do barco por cinco reais.”
A performance da música Evangelho de Fariseus foi compartilhada por parlamentares de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por artistas, como a apresentadora Angélica, a cantora Juliette, a cantora Luisa Sonza e a atriz Rafa Kalimann.
Em 2022, o assunto também veio à tona com uma fala da ex-ministra dos Direitos Humanos e atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF). À época, Damares denunciou a exploração na ilha durante um culto evangélico.
A então ministra chegou a dizer que as crianças da região teriam os dentes removidos para facilitar os abusos sexuais. Contudo, não apresentou provas sobre a acusação, mas disse que tinha ouvido as denúncias “nas ruas”.
Damares foi denunciada pelo Ministério Público Federal por danos sociais e morais coletivos que teriam sido causados à população da ilha do Marajó, com um pedido de R$ 5 milhões em indenização.
Qual a situação na ilha do Marajó
A ilha é composta por 12 municípios e possui cerca de 500 mil habitantes. No Brasil, o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — indicador composto por dados acerca de expectativa de vida, educação e renda per capita — está em uma das ilhas do Marajó, Melgaço, com pouco mais de 26 mil moradores e com IDH de 0,418.
Em 2006, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados instalou uma investigação para apurar denúncias na ilha do Marajó.
À época, segundo o jornal Extra, documentos revelaram o envolvimento de vereadores locais nos casos de abusos. Eles, segundo as investigações, eram aliciadores que levavam as crianças para se prostituírem em Belém e na Guiana Francesa.
Em 2020, Damares lançou o programa “Abrace o Marajó” para combater a prostituição infantil. Segundo o jornal O Globo, nenhum centavo foi gasto pelo projeto em 2022. Conforme a senadora, o programa não teve êxito por causa da pandemia de covid-19.
Em 2023, o governo Lula revogou o programa e substituiu pelo “Cidadania Marajó”, com a ideia de levar políticas sociais à região. Na sexta-feira 23, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, comentou as denúncias nas redes sociais, mas criticou a associação da população do Marajó ao abuso sexual.
No mesmo dia, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, publicou um vídeo de mais de cinco minutos, em que critica acusações generalizas contra a população do Marajó.
“Chega a ser chocante gente dizer que faz parte da cultura do povo do Marajó ser pedófilo, vender seus filhos”, disse. “Isso não faz parte da cultura do povo do Marajó. Isso muitas vezes são situações de exclusão. Geradas muitas vezes inclusive por muita gente que ganha muito dinheiro a partir das dificuldades do Marajó, mas que nunca se dignou a ouvir para construir junto com ela as soluções.”
ONGs que atuam na região entraram em cena para criticar propagandas que teriam associado a ilha à exploração sexual infantil.
“A propaganda que associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes”, informou o Observatório do Marajó. “Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara.”
A ONG Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável publicou: “Não precisamos de um olhar estigmatizado e cheio de preconceito. O Marajó é símbolo de resistência, encanto e cultura da Amazônia”.
*Fonte: Revista Oeste